15 de jul. de 2010


O dragão - animal mítico que pela sua maldade deu água pela barba a S. Jorge, posto

em cima de tão galharda montaria e enfiado em férrea armadura, nomeado pela

providência para dominar tal fera - que mora naquela gruta mesmo ao fundo do vale

está a conjecturar fazer-me uma visita. O que pretende a vontade dele? Aterrorizá-lo,

dizem-me. É o papel dele, ripostei eu.


Como fui avisado com suficiente antecedência, deixei pregado na minha porta um

papel que o avisava de que eu não estava, que estava em trabalhos, entretido a

escrevinhar as linhas que se seguem:


Cinema Noir

ou

O Drama da Redenção

(O enquadramento teológico, histórico e psicanalítico)


Parte I

Na versão teologica da criação do mundo que as Sagradas Escrituras sustentam, as

personagens Adão e Eva (os “filhos”), desobedientes, comeram do fruto que o “pai”

(Deus) amaldiçoou, o fruto que permite o conhecimento do Bem e do Mal.


Por tal, são condenados à condição de mortais e a viver num mundo

de padecimentos.

A sua descendência (Abel – o sopro de vida e Caím – a destruíção) simboliza o

conflito das duas pulsões que se manifestam no subconsciente e orientam a vontade

humana (a pulsão da vida (Eros) e a pulsão da morte (Thanatos)).


A vida do Homem desenrola-se através duma sucessão de episódios, passando ele

por

um conjunto de provações impostas pelo destino que lhe foi traçado pelo “pai”.

O regresso ao Paraíso é-lhe prometido, mas para tal conseguir, o Homem precisa

aceitar o sofrimento de que é vitima, precisa redimir, dessa forma, os seus erros, o

mal que semeou no mundo. A Culpa e a Redenção.


A Civilização Ocidental ergueu-se então sobre os fundamentos éticos postulados pelo

mensageiro do “pai” (Jesus Cristo). Ele padeceu e morreu às mãos dos “filhos” de

Deus para revelar ao Homem que este é dominado pelo Mal, e que só a humildade e a

aceitação o podem aproximar novamente do “pai”, como é bem evidenciado na

Paixão

de Joana D’Arc, filmada por Dreyer.


Parece-me evidente, como escreveu Freud, que a nossa vida assenta em repetições,

repetimo-nos pela vida fora, sustentava ele, sendo oportuno, penso, assinalar essa

pulsão no comportamento humano desde o alvorecer da espécie humana. Sempre

vimos, no decurso da História, o aniquilamento do “pai”, com o objectivo da auto-

afirmação, da fuga à submissão.

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