
O dragão - animal mítico que pela sua maldade deu água pela barba a S. Jorge, posto
em cima de tão galharda montaria e enfiado em férrea armadura, nomeado pela
providência para dominar tal fera - que mora naquela gruta mesmo ao fundo do vale
está a conjecturar fazer-me uma visita. O que pretende a vontade dele? Aterrorizá-lo,
dizem-me. É o papel dele, ripostei eu.
Como fui avisado com suficiente antecedência, deixei pregado na minha porta um
papel que o avisava de que eu não estava, que estava em trabalhos, entretido a
escrevinhar as linhas que se seguem:
“Cinema Noir
ou
O Drama da Redenção”
(O enquadramento teológico, histórico e psicanalítico)
Parte I
Na versão teologica da criação do mundo que as Sagradas Escrituras sustentam, as
personagens Adão e Eva (os “filhos”), desobedientes, comeram do fruto que o “pai”
(Deus) amaldiçoou, o fruto que permite o conhecimento do Bem e do Mal.
Por tal, são condenados à condição de mortais e a viver num mundo
de padecimentos.
A sua descendência (Abel – o sopro de vida e Caím – a destruíção) simboliza o
conflito das duas pulsões que se manifestam no subconsciente e orientam a vontade
humana (a pulsão da vida (Eros) e a pulsão da morte (Thanatos)).
A vida do Homem desenrola-se através duma sucessão de episódios, passando ele
por
um conjunto de provações impostas pelo destino que lhe foi traçado pelo “pai”.
O regresso ao Paraíso é-lhe prometido, mas para tal conseguir, o Homem precisa
aceitar o sofrimento de que é vitima, precisa redimir, dessa forma, os seus erros, o
mal que semeou no mundo. A Culpa e a Redenção.
A Civilização Ocidental ergueu-se então sobre os fundamentos éticos postulados pelo
mensageiro do “pai” (Jesus Cristo). Ele padeceu e morreu às mãos dos “filhos” de
Deus para revelar ao Homem que este é dominado pelo Mal, e que só a humildade e a
aceitação o podem aproximar novamente do “pai”, como é bem evidenciado na
Paixão
de Joana D’Arc, filmada por Dreyer.
Parece-me evidente, como escreveu Freud, que a nossa vida assenta em repetições,
repetimo-nos pela vida fora, sustentava ele, sendo oportuno, penso, assinalar essa
pulsão no comportamento humano desde o alvorecer da espécie humana. Sempre
vimos, no decurso da História, o aniquilamento do “pai”, com o objectivo da auto-
afirmação, da fuga à submissão.
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