24 de jul. de 2010


Stationary Traveller

(uma rumagem imaginária pelos becos e prateleiras, pelo pó e vielas, por montes e vales, na busca de 5 filmes para a lista que apresentei no MOTM)


O senhor de modos graves e gestos profundos que se plantou à entrada do videoclube que havianaquela tarde, ao cair do sol, dirigiu-me um gesto discreto, envergonhado até, com a mão mutilada em combate, convidando-me a entrar.Envergando um estimado fato de marinheiro, um atento papagaio trazia poisado no ombro, bicho de olhar fixo, que atentou em mim com olhos miudinhos, adormecidos, de olhar morto, lamentoso. E foi então que fiquei parado à entrada, passando pelo interior do videoclube um olhar pesquisador, não me apercebendo que entretanto um cachorro atrevido aliviara a bexiga nos meus sapatos… humilhados.

De bigodes fartos e envelhecidos, o capitão trazia sentados na cana do nariz uns óculos necessários, ele que assim figurado com traços românticos, aventureiros, representava a vitória da memória dolorosa num homem sobre quem o tempo julga, e com razão, que venceu, que derrotou.

E porque havia sido capitão de um navio pirata, e porque, cansado da pirataria rumou a Hollywood onde lhe atribuíram papeis de pirata em filmes musicais, nos quais cantava e dançava de espada em punho, ei-lo que justificou assim a alcunha de “Capitão”.

Fiquei contente por vê-lo ocupado, a não apodrecer no canto do tédio, arrumado, como o casco fossilizado dum barco rabelo que apreciei nas encostas do Douro, absorvido pelas raízes dasvideiras pródigas, que nele lambem o húmus da madeira carcomida para temperarem a casta.

Ele soube, nunca revelou como, que eu deambulava pelas vielas negras, esquecidas, estreitíssimas, farejando em velhos videoclubes de paredes já apodrecidas, de olho fixo nasprateleiras curvadas sob o peso das velharias. O que procurava eu então?

Vi-o retirar de trás do balcão um pequeno embrulho que farejei, excitado pela surpresa, e precipitei as mãos sôfregas para desbaratar o papel que envolvia 5 filmes, 3 deles subordinados aum lamiré: o discurso que emerge a partir da representação de representações, proporcionado um olhar atento a outras expressões visuais (“Pollock” ; “Caravaggio”) e conduzindo-se, por outro lado, por um discurso mimético em relação a outras formas de representação plástica (“Os Livros de Próspero”).

Se não incluí o conjunto dos 5 filmes nesse plano de análise tal se deve ao facto de olhar os dois filmes restantes num plano simbólico em que me atrevo a situar, senão todos os actores/intervenientes (“200 Motels”) pelo menos o protagonista (“Performance”) das duas películas.

Trata-se de ícones da cultura Pop, encerrando a sua figura uma simbologia que conduz o espectador a uma pré-leitura, à catalogação desse significante (um ídolo do meio musical), sendo difícil esperar que o espectador o veja como actor, mas antes como uma figura que é estratégicamente usada pela sua carga simbólica junto do espectador.

E então amigo? - Disparou o capitão. Pediu-me 5 filmes que pudessem corresponder de alguma forma aos anseios dos visitantes do MOTM com particular interesse em visionar registos cinematográficos nos quais se pode constatar uma interacção com outras formas de expressão artistica: a música e as artes gráficas. Aí estão eles! – rematou, incisivo.

Satisfeito pelo resultado da pesquisa por ele elaborada, fiz continência ao capitão e ao seu papagaio de plástico, virei costas e eis-me novamente na rua frequentada por gatos com ar lamentoso, adoentado; de embrulho debaixo do braço, ia já a virar a esquina quando uma voz autoritária lançou um grito de ordem, “ao ataque meus piratas!!!”

Era ele, o capitão, de espada em punho, que a custo procurava arrastar ambas as pernas doentes para me conseguir intersectar. O susto transformado em terror imobilizou-me os músculos e fez-me aceitar a morte que o sabre ferrugento que se erguia no ar me queria impor, trespassando-me e fazendo-me tombar sobre uma poça de sangue.

Os meus olhos transidos pelo terror viram chegar-se ao meu rosto a máscara acabrunhada queno rosto do capitão se desenhara, …e os ouvidos escutaram:“Esqueceu-se de pagar os filmes, meu amigo!!!”

Levantei o chapéu de palha e de pronto caíu do interior uma pepita de ouro africano que lhe deixei na palma da mão.

Tendo recuperado o ar nos pulmões, senti-me vivo novamente, ...dei um pontapé no traseiro do vento e prossegui caminho até aqui.


The End

Um comentário:

My One Thousand Movies disse...

5 belas escolhas todas simbólicas para a cultura pop.
Já ando ao tempo para fazer um ciclo sobre o assunto, mas ficará para breve. :)

Parabéns Zé.