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“ o Cinema Noir … ou o Drama da Redenção”
PARTE III
Cinema Expressionista Alemão
(a OBRA e o ESPELHO)
Li certa vez um texto muito breve, como breve poema de contornos trágicos; de tão amargo sabor, a sua poesia dava documento das impressões de alguém profundamente perturbado pela visão das mulheres que vagueavam pelas ruas de Sarajevo, mutilada pela 1ª Guerra mundial; fala ele nas faces secas de pele crestada e o cabelo já grisalho a reforçar o ar abandonado das mulheres que, não tendo atingido ainda a meia-idade, não lhes era já possível ocultar os traços da velhice que o trauma da guerra lhes impusera.
Foi a guerra de 1914/18 – onde se misturavam mentiras oficiais, valores heroícos, espírito de sacrifício e barbárie - o primeiro grande sinal da saturação da servidão emitido pelo Homem a quem a providencia divina ou tão só a humana usurpação conferiram o poder de administrar.
Para sustentar esta perspectiva, socorro-me agora destas linhas saídas da pluma caprichosa de Agustina Bessa-Luís:
“A saturação da servidão não é uma revolta; é um sentimento de desapego imenso quanto aos princípios que amaram, os deuses a que se curvaram, os homens que exaltaram. (...) Mas foi crescendo a saturação da servidão, porque a alma humana cresceu também, tornou-se capaz de ser amada espontaneamente; tudo o que servimos era o intermediário do nosso amor pelo que em absoluto nós somos. Serviram-se valores porque neles se representava a aparência duma qualidade, como a beleza, o saber, a força; esses valores estão agora saturados, demolidos pela revelação da verdade de que tudo é concedido ao corpo moral da humanidade e não ao seu executor.
Um grande terror sucede à saturação da servidão.”
Na Alemanha do pós-guerra, um conjunto de cineastas avançou com uma proposta que resulta fiel à culpabilidade e angústia do homem comum mais uma vez sente depois do terror que a sua revolta para com a autoridade do “Pai” (filmes obscuros, fruto do medo do Monstro e do terror que isso causa) cinema povoado pela luz intensa a ser invadida pelo monstro saído das trevas (como Nosferatu; como o assassino de M – Matou; como Jack o Estripador em A Caixa de Pandora). Filmes que dão fiel testemunho da bárbara causa e do efeito predador de que o povo alemão - o mais humilhado e ferido no seu orgulho pátrio, no final da 1ª guerra mundial - foi vitima maior.
Tratam tais películas de objectivar nos rostos e nos gestos das personagens, O MEDO que as sombras da alma ocultam, quando já não se pensava possível que o homem civilizado alimentasse em si aquilo que Freud denunciou como a “pulsão da morte”, constituinte do subconsciente humano.
Tombada a cabeça vencida pelo sono na máquina de escrever em que desenrolo este novelo, sou assaltado pelo espectro de “O Retrato de Dorian Gray” que figura um jovem cavalheiro cujo retrato vai mostrando uma evolutiva degradação no rosto do retratado, à medida que este vai cometendo actos cruéis.
Se na obra de Oscar Wilde o retrato transmutava automáticamente por obra duma mímica entre a alma do retratado e da sua representação na tela, numa fidelidade de toque expressionista pela distorção, disformidade do aspecto físico como símbolo directo do estado de espírito do retratado.
A tela como espelho. A arte que imita a vida, como sustentava Oscar Wilde.
A contemplação interior, o virar-se para si próprio numa angústia existencial de que a guerra foi causa directa, pois abriu a caixa de Pandora em que todos os males do humano ser se exteriorizaram de forma mais acentuada, mais bárbara do que até aí.
Os fantasmas interiores que atormentavam a alma do povo alemão personificaram num cinema de cariz expressionista através de monstros humanos cuja única razão de ser é a aniquilação dos seres que buscam a plenitude da sua paz, assim como Caím teve como única justificação, eliminar Abel (o sopro de vida).
O monstro que é um Eu recalcado que emerge do subconsciente, um “Outro Mortalmente Agressivo” que é um Eu espezinhado, o mal emerge da escuridão do recalcamento, do trauma que nos foi causado no passado, e que ao emergir se dirige aos outros numa figura desfigurada pela fealdade, ou pelo menos é assim que o cinema expressionista o representa.
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