21 de abr. de 2010


O Experimentalismo no Cinema (parte I):

“Branca de Neve” de João César Monteiro.


E se a grande provocação de “Branca de Neve” fosse, afinal, não haver provocação nenhuma?

- Luis Miguel Oliveira, in “João César Monteiro”, edição da Cinemateca Portuguesa


Não é por mero gosto provocatório que tomo o partido do autor das palavras que citei; inclino-me, isso sim, a comungar da lógica de L. M. O. por reconhecer aceitável validade nos argumentos que baseiam a sua perspectiva.

Desde logo, penso ser de utilidade referir “Fragmentos de um Filme-Esmola”, como a obra em que o realizador havia já esboçado (durante alguns minutos de película) a ousadia extrema de “Branca de Neve”: o ecrã negro.

Sobre essa obra, datada de 1972, tão próxima da performance teatral, L.M.O. refere que o que interessou a César Monteiro foi o jogo dos corpos e o jogo com o tempo, sem mexer no enquadramento, mas iluminando os personagens de forma a que fossem sobretudo corpos.

Recordo-me das telas a negro do pintor Malevitch, realizadas na década de 50 do século passado, quando L.M.O. lança a seguinte proposição: Escandaloso, no ano 2000, um filme que deixa o ecrã, durante quase todo o filme, negro? Claro que não, claro que o escândalo nuca poderia ser de ordem estética.

Tentemos então esquecer a polémica e façamos justiça a “Branca de Neve”. Este é um filme que, se calhar, como mais nenhum, nos convoca, literalmente para um “quarto escuro”, onde há vozes de pessoas que lêem um texto e contam uma história. Somos reconduzidos ao tempo em que, nas mesmas circunstâncias, ou quase, uma ou várias vozes nos contavam histórias num quarto escuro.

Há qualquer coisa em “Branca de Neve”, que não só tem a ver como exige do espectador a capacidade de se disponibilizar para essa experiência, solicita-lhe uma capacidade de entrega, de se depositar assim, no escuro e nas vozes, entre o que lhe faz medo e que o reconforta.

Quando se acende a luz, dói; é como se fôssemos expulsos do filme, do “escuro” retemperador, assim como a Branca de Neve foi expulsa do “país dos anões”.

Em “Branca de Neve”, podemos não ver corpos nem “décors”, mas vemos seguramente palavras, um texto, sentidos.

E é então que o autor das linhas que venho citando, conclui o seu texto, dizendo: E se a grande provocação de “Branca de Neve” fosse, afinal, não haver provocação nenhuma?

E é desta forma que termino como comecei; afinal de contas aquilo para que nos convoca a performance de César Monteiro, um retorno ao "início", a uma experiência dos tempos de infância.


4 comentários:

Anônimo disse...

É como já disse no fórum também não acho que provocar fosse a motivação de João César Monteiro. A provocação era apenas resultado de toda a desordem que o atormentava. Desordem que acabou também por acometer o seu filme, Branca de Neve. Para mim, um acto falhado.

Daqui tirar argumentos para atacar João César Monteiro parece-me despropositado. Defendê-lo-ei sempre. Um dos maiores, senão o maior, cineasta português de sempre.

(Bom trabalho, Zé. Ao criares para o blogue.)

Frederico disse...

Gostava de saber onde foi para o dinheiro que todos os Portugueses deram para este filme... quiçá ao bolso do próprio JCM que nos mandou a todos foder?

Anônimo disse...

Ponto 1: O financiamento do cinema de autor em Portugal faz-se através de uma taxa de 4% sobre a receita da publicidade televisiva. Não com dinheiro dos contribuintes. Será, quando muito, o dinheiro dos donos das nossas estações televisivas, não o dinheiro dos portugueses.

Ponto 2: O dinheiro que foi atribuído para a realização de Branca de Neve foi posteriormente restituído, na sua quase totalidade, ao ICA, por Paulo Branco.

Ponto 3 (semi-roubado do Arrastão, a Daniel Oliveira): «Um comentador deixou aqui este vídeo como forma de ataque ao saudoso João César Monteiro, o melhor cineasta português de todos os tempos e um dos poucos génios que esta terra conheceu nas últimas décadas. Era para o atacar, mas eu só senti saudades. Nem a todos sobra talento para poderem dispensar salamaleques e respostas bem educadas ao jornalismo do pequenino caso. Ele podia. Não vivia da boa imprensa. Não precisava dela.»
Aquelas célebres declarações à saída da estreia do filme tinham como alvo o mau jornalismo, a tendência de facilitismo nos conteúdos televisivos, vazios, apenas brilhantes na aparência. A inutilidade do serviço público de televisão. Os que não entendem isto serão os mesmos que não entendem o seu cinema. Têm o direito de não o ver.

Começas o teu comentário dizendo, “gostava de saber”. Não sabendo, especulaste. Se João César Monteiro se preocupasse com dinheiro não tinha servido a sua arte da forma como o fez. Tinha seguido a onda de espectáculo visual oco que muitos seguem.

(Vi, no chat do MOTM, que te queres juntar a nós aqui no theories. Força nisso. Precisamos de gente por aqui.)

Frederico disse...

eu disse que gostava de saber, agora já sei! quando tiver acesso a postar no blog farei um pequeno comentário a JCM (sebem q a minha posição já é conhecida) e depois passarei a assuntos, a meu ver, mais importantes para a história desta arte