26 de abr. de 2010

S de Sarcasmo - Breve comentário sobre Billy Wilder.

É preciso conhecer o cenário político, social e artístico da Áustria do início do século XX para entender a formação da personalidade de Billy Wilder.

Não é de se estranhar que um judeu austríaco, nascido em Viena no ano de 1906 e que cresceu sob o peso da cultura alemã tenha formado desde cedo uma visão tão dura, amarga e realista da vida.

À época, os salões de Viena estavam entorpecidos pelas sinfonias de A Viúva Alegre, de Franz Lehár, e o sucesso das salas de concertos era a cataclísmica melodia de Assim Falou Zaratustra, de Richard Strauss.

Foi neste cenário, ao tempo que eclodia a Primeira Guerra Mundial, que Wilder desenvolveu toda sua descrença na humanidade e seu mórbido senso de humor, que viria mais tarde a apresentar ao mundo em Hollywood.

Faz parte do currículo básico de todo cinéfilo assistir à Sunset Boulevard, de 1950. O filme começa com um cadáver boiando numa piscina, narrando em off e em flashback os acontecimentos que o levaram até lá.

É um retrato sobre uma esquecida estrela do cinema mudo vivendo refugiada em sua burlesca mansão, sonhando com um triunfal retorno que nunca acontecerá. Um filme que vê através das aparências.

-''Você costumava ser maior'', diz o personagem de William Holden, Joe Gillis.

-''Eu sou a maior. Os filmes é que ficaram pequenos'', responde Norma Desmond, magnificamente interpretada por Gloria Swanson, que escorrega pelas extremidades do simulacro.

Mas neste filme nenhuma performance tem tanto eco como o de Erich Von Stroheim, interpretando Max Von Mayerling, outrora grande diretor da era muda do cinema e que fora o primeiro marido de Norma, agora diminuido a trabalhar como mordomo de sua estrela.

Aqui, em uma cena, os parceiros no jogo de bridge de Norma, interpretados por antigas estrelas da era muda como Buster Keaton e Anna Nilsson, são despiedosamente chamados de ''museus de cera'' por Joe Gillis.

Na época o filme provocou protestos dos saudosistas, que não gosotaram nada de ver seus antigos ídolos do passado retratados como peças de museus.

Nos filmes de Wilder, o ser humano, mesmo que redimido, acaba sempre por revelar sua pior face.

Ora, sua intenção era apenas ofender toda a humanidade, revelando justamente essa face cruel inerente à todas as pessoas. Que mal há nisso?

Outro título obrigatório é Double Indemnity, um dos maiores clássicos do cinema Noir, para muitos um filme que define o gênero. A história é sobre uma mulher que convence seu marido a fazer um pomposo seguro de vida para depois tramar com o próprio agente de seguros a sua morte.

-''Fiz isso por dinheiro e por uma mulher. Acabei sem o dinheiro e sem a mulher'', diz Walter Neff, interpretado por Fred MacMurray.

Ou a magnífica cena final, na qual o personagem de Edward Robinson acende o último cigarro para MacMurray. -''Me dê 24 horas para chegar ao México'', diz Neff. -''Você não chegará nem ao elevador'', diz Barton Keyes, que nutria um carinho paternal por Neff.

Em suas comédia românticas, por exemplo, não encontramos cenas de amor melosas. Aliás, seus heróis românticos prediletos eram as prostitutas e os gigolôs, ou quem tivesse uma vocação para estas singularidades.

Jamais esquecerei, por exemplo, a cena final em Some Like It Hot, onde Jack Lemmon tenta se esquivar dos avanços do milionário que pensa que ele é mulher e quer casar-se com ele.

-''Fumo demais'', diz o personagem de Lemmon.
-''Não me importo'', responde o milionário.
-''Não posso ter filhos'', insiste Lemmon
-''Tudo bem'', insiste o senhor.
-''Ah, é? Eu sou homem!'', exclama Lemmon arrancando a peruca.
O milionário nada se abala: ''Ninguém é perfeito.''

Sua enorme falta de fé no ser humano não representava apoio às piores qualidades, mas uma inaceitada faceta que fazia questão de tornar evidente.

Wilder foi roteirista de todos os seus filmes, mas sempre em parceiria. Dentre outros, trabalhou com Charles Brackett na Paramount em roteiros dirigidos por Lubitsch, Hawks e Mitchell Leisen, e mais tarde em filmes que Brackett viria a produzir e Billy dirigir. Mas seu grande parceiro foi o romeno Izzy Diamond, seu colaborador em uma dúzia de filmes, dentre eles títulos como Some Like It Hot, The Apartment e Irma La Douce.

Em 1994, durante a entrega do Oscar de melhor filme estrangeiro pelo filme Sedução (Belle Epoque), o diretor espanhol Fernando Trueba disse para os bilhões de telespectadores que assistiam à cerimônia: ''Se acreditasse em Deus, agradeceria para Deus. Mas, como não acredito, agradeço a Billy Wilder''.

No dia seguinte Trueba recebeu uma ligação: ''Senhor Trueba, aqui fala Deus.''

Era Billy Wilder.


***

Referência: Livro 'Saudades do Século 20', de Ruy Castro.

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu que também sou ateu vou rever a minha posição. Da minha fé em Billy Wilder não duvido :)

Sem menosprezar as restantes, para mim, a melhor theorie até agora. Muito bom, parabéns Murilo.

Murilo Gazzo disse...

Obrigado Xavier.

Eu não gosto muito dessa coisa de listas, mas, acaso fosse fazer uma sobre realizadores, Billy Wilder provavelmente estaria no topo.