27 de abr. de 2010


MORTE EM VENEZA

ou

(um ensaio de Visconti sobre a ilusão, a duplicidade e a mentira)

Parte II

Há dois factores que se assumem, que não nos deixam dúvidas, desde o início do filme: o papel fundamental do Adagietto da Quinta Sinfonia de Mahler, como elemento da narrativa, mais do que simples emolduramento sonoro.

O segundo facto é, desde logo, a atracção do professor Gustav (por certo uma homenagem ao compositor Gustav Mahler) pelo jovem efebo, Tadzio, ponto esse que determina o desenrolar da narrativa.

Há porém um facto que se apresenta num plano secundário, quase imperceptível, que, no entanto, acho de importância para esclarecer o subconsciente dos personagens. Parece-me, que o professor terá tido uma ligação amorosa com a mãe de Tadzio no passado, pois a mulher que ele recorda (ou sonha) num idílio campestre em feliz convívio amoroso com ele, parece-me a mesma que esconde o rosto com um creme branco e com o véu rendado que lhe desce do chapéu magnânime.

No presente em que decorre o filme, são ambos tentados pela paixão homossexual, ela por uma rapariga a quem põe a mão no ombro, na praia, e ri, no único momento de descontracção durante todo o filme.

Ele, severo defensor da moral e dos costumes, deixa-se apaixonar pelo filho da mulher que (outrora amou?) em sonhos (dele), lhe oferece o filho, quando o chama…para que o professor lhe acaricie o cabelo.

Enquanto ela se esconde por detrás duma pose silenciosa, rígida, apagada, ele não consegue manter a máscara, e apaixona-se por um…rapaz, o que vai solenemente contra a moral que ele tanto defende.

Por falar de ilusão e de máscaras, é de notar que o velhote que se despede do professor, com um riso trocista, quando este se apresta para sair do Vaporetto, com um “Our best whises, signore!” faz-me pensar: mas afinal quem é e o que representa esta personagem? É licito perguntar.

Se o professor o despreza pelo seu aspecto e pelo tom trocista, é por demais curioso, que é assim vestido (travestido) e com o rosto maquilhado como o velhote que dele se ri, que ele vai encontrar a morte. Será absorvido pela ilusão, a máscara, a mentira da cidade.

Chegou à cidade de barco, não a morte, como Nosferatu, veio, isso sim, para aí a encontrar, na cidade dos sonhos mais românticos (e é pelo coração que ele se perde).

A cidade infestada pela peste, pelo cheiro pestilento, que é desinfectada com líquido branco (o mesmo branco das máscaras de beleza), para manter a aparência da beleza que nos é dada pelos postais turísticos.

Num filme marcado pelos contrastes, é curioso ver como o público que assiste ao concerto que o professor orienta, o apupa, a ele e à sua musica, demasiado esquemática, matemática, estruturada, elaborada, numa palavra: “fechada”, em contraste com a musica de gosto popular que (talvez as mesmas pessoas) aplaudem na esplanada do hotel, na noite em que lá entram os músicos-pedintes. Sequência magistral.

Há um conjunto de rejeições que vão empurrando o professor Gustave para a sua derrota espiritual, para a morte, enfim.

O seu amigo(?) Alfred (figura que muito se assemelha à de Gustav Mahler) critica severamente a sua música, o público rejeita-a; Tadzio sempre se esquiva, não se entrega. Apenas, nos momentos finais do filme, quando vai entrando pelo mar adentro, Tadzio lhe estende o braço ao longe, e é então que o professor em agonia, lhe tenta estender a mão….mão que se recusou à mão de Esmeralda (a prostituta) quando esta apertou a sua, no bordel.

Esmeralda é também o nome do Vaporetto que transporta o professor até Veneza, a cidade que o emaranha na teia da ilusão, da duplicidade, da máscara, da mentira.

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